terça-feira, 24 de janeiro de 2012

DIÁRIO DE UMA LOIRA - LEGÍTIMA OU ARTIFICIAL - PARTE


5 de Janeiro
Passei no exame de direção!
Posso agora dirigir o meu próprio carro, sem ter que ouvir as
recomendações dos instrutores, sempre dizendo : "por aí é sentido
proibido!", "Vamos sair da contra-mão!", "Olha a velhinha!", "Freia!
Freia!", e outras coisas do gênero.
Nem sei como agüentei estes últimos dois anos e meio...
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8 de Janeiro
A Auto-Escola fez uma festa de despedida para mim!
Fiquei muito emocionada!
Os instrutores nem sequer deram aulas!
Um deles disse que ia à missa...
Juro que vi outro com lágrimas nos olhos e todos disseram que iam
embebedar-se, para comemorar. Achei simpática a despedida, mas penso
Que a minha carteira não merecia tal exagero. Êles foram muito generosos!
Umas gracinhas mesmo!
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12 de Janeiro
Comprei meu carro e, infelizmente, tive que deixá-lo na concessionária
para substituir o pára-choque traseiro pois, quando tentei sair, engatei
marcha-a-ré ao invés da primeira. Deve ser falta de prática!
Também...há uma semana que não dirijo...
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14 Janeiro
Já tenho o carro.
Fiquei tão feliz ao sair da concessionária, que resolvi dar um passeio.
Parece que muitos outros tiveram a mesma idéia, pois fui seguida por
inúmeros automóveis, todos buzinando como num casamento.
Para não parecer antipática, entrei na brincadeira e reduzi a velocidade
de 10 para  5 km por hora.
Os outros gostaram e buzinaram ainda mais.
Foi muito legal...
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22 Janeiro
Os meus vizinhos são impecáveis.
Colocaram posters avisando em grandes letras "ATENÇÃO ÀS MANOBRAS" e
marcaram, com tinta branca fluorescente, um lugar bem espaçoso para eu
Estacionar e, para minha segurança e conforto , proibiram os filhos de
saírem à rua enquanto durassem as manobras. Penso que é tudo para não me
perturbarem. Ainda há gente boa neste mundo...
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10 de Fevereiro
Os outros motoristas tem hábitos estranhos.
Além de acenarem muito, estão sempre gritando.
Não escuto nada, por estar com os vidros fechados, mas parece que querem
dar informações. Digo isto porque julgo ter percebido, através de leitura
labial, um deles dizendo: "Vai para casa ". Não sei como ele adivinhou
para onde eu ia! Acho isso espantoso. De qualquer modo, quando eu
descobrir onde fica o botão que desce os vidros, vou tirar muitas dúvidas.
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19 de Fevereiro
A Cidade é muito mal iluminada.
Fiz hoje meu primeiro passeio noturno e tive de andar sempre com o farol
alto aceso, para ver direito. Todos os motoristas com quem cruzei pareciam
concordar comigo, pois também ligaram o farol alto e alguns chegaram mesmo
a acender outros faróis que tinham. Só não entendi a razão das buzinadas.
Talvez para espantar algum bicho. Sei lá.
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26 de Fevereiro
Hoje me envolveram num acidente.
Entrei numa rotatória e como tinha muito carro(não quero exagerar mas
deviam ser, no mínimo, uns quatro !), não consegui sair. Fui dando voltas
bem juntinho ao centro, à espera de uma oportunidade, de tal forma que
acabei por ficar tonta e bati no monumento no centro da  rotatória. Acho
que deviam limitar a circulação nas rotatórias a um carro de cada vez.
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3 de Março
Estou em maré de azar.
Fui buscar o carro na oficina e, logo na saída, troquei os pés, acelerando
fundo em vez de frear. Bati num carro que ia passando, amassando todo o
lado direito. O motorista , por coincidência, era o inspetor que me
aprovou no exame de direção. Um bom homem, sem dúvida.
Insisti em dizer que a culpa era minha, mas ele educadamente, não parava
de repetir para si mesmo: "É tudo minha culpa! É tudo minha culpa! Que
Deus me perdoe!"
Imagens do Google

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Coração de Estudante

Coração de Estudante
Milton Nascimento

Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor

Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora, cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê
Flor flor o o e fruto

Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, planta e sentimento
Folhas, coração,
Juventude e fé.

"Eu vi na onda do mar o desejo de amar,
amores são cores".
                          Agnes

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

TOMO POSSE

Fragmento 01



As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os olhos.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...
O ato de ver não é coisa natural.
Precisa ser aprendido!

Rubem Alves

Imagens do Google

Fisgada da Saudade


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Ela foi rápida, levantou a mão e perguntou.
"O senhor acredita em Deus?"
A pergunta me surpreendeu porque o assunto não era a existência de Deus, mas os descaminhos da educação. Mas logo compreendi. Ela não havia ido ali para aprender sobre escolas, professores e alunos. Ela trouxera sua dor pronta e a levava por onde quer que andasse. Não era pergunta de catecismo. Era coisa que lhe doía na carne e na alma, espinho nas vísceras. Pois não é quando a vida dói que balbuciamos o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, pra ter esperança, pra que a vida doa menos? Quem pode dizer o nome sagrado, acreditando, dorme sem sobressaltos.
Riobaldo sabia e dizia: "Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas... Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim, dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença para coisa nenhuma".
Lembrei-me de R.S. Thomas, pastor e poeta numa pobre e rude comunidade rural da Irlanda. Pastor, devia saber. Porque não é pra isso que os fiéis vão à igreja, pra ouvirem do padre ou pastor que Ele existe? Mas ele de Deus só ouvia o silêncio: "Nenhuma palavra veio ao homem ajoelhado. Ele só ouviu a canção do vento. Ou o barulho seco de asas que não via, não eram anjos, eram morcegos no alto do forro da igreja. Ele não virá mais..." Nesse "Ele não virá mais..." estava toda a sua dor.
Agora, quando sinto a fisgada, busco o socorro dos poetas. Se eu tivesse me lembrado, minha resposta teria sido outra. Eu teria repetido as palavras do Chico: "Oh, metade arrancada de mim... Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu..."
Saudade é um vazio que dói, presença da uma ausência, lugar onde o amor se aninhou, mas agora o ninho está vazio...
Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que vai chegar ou a que arruma para o filho que nunca vai chegar?
Ela me perguntava se eu "acreditava". Mas eu, como R.S.Thomas e o Chico, de Deus só tenho a nostalgia e a saudade.
Se eu tivesse me lembrado, eu simplesmente teria dito: "Não, eu não acredito em Deus. Concordo com o poeta: Alberto Caeiro diz que não acredita em Deus porque nunca o viu. Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo, e entraria pela minha porta a dentro dizendo-me: "Aqui estou". Pensar em Deus é desobedecer a Deus, porque Deus quis que não o conhecêssemos. Por isso se nos não mostrou."
Não, não acredito em Deus. O que eu tenho é aquela dor chamada saudade... A Adélia sabia e sofria: "Eh saudade! De quê, meu Deus? Não sei mais..."
Deus é essa fisgada sem nome que sinto no coração. Ela tem hora certa para aparecer: no crepúsculo. Verso de Browning: "A gente vai andando solidamente pela rua e, de repente, um pôr-de-sol... E estamos perdidos de novo".
"Por causa dessa dor sem nome eu acendo meus altares com poesia e música para colocar beleza no abismo escuro..."
Não, não acredito em Deus. Mas sinto a fisgada...
Rubem Alves

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