terça-feira, 29 de maio de 2012
Luis Fernando Veríssimo
O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas loucos. Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco : o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros loucos todos os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou.
Durante quarenta anos, passei longe deles . Pronto, acabei diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que estou adorando estar louco semanal.
O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera . Onde faço a minha terapia é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a pouco.
Ninguém olha para ninguém. O silêncio é uma loucura. E eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses.
Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo, criativo. E a sala de espera de um "consultório médico", como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Paulo Coelho como ela ), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos:
Na última quarta-feira, estávamos:
1. Eu
2. Um crioulinho muito bem vestido ,
3. Um senhor de uns cinqüenta anos e
4. Uma velha gorda.
Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o problema de cada um deles. Não foi difícil, porque eu já partia do princípio que todos eram loucos, como eu. Senão, não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados.
(2) O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de vime . Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o namoro e não conseguiu entrar como sócio do "Harmonia do Samba "? Notei que o tênis estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza . O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala . Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça . Devia ser um assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para dentro da mala assassina.
(3)E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as unhas. Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz esse meu personagem. Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Paulo Coelho da outra. Faltava um botão na camisa . Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles . Tingido.
(4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era esse o problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava na quinta dezena em dez minutos . Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a conhecesse.
Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu psicanalista.
Conto para ele a minha "viagem" na sala de espera.
Ele ri... Ri muito, o meu psicanalista, e diz:
- O Ditinho é o nosso office-boy.
- O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá no Ipiranga e passa aqui uma vez por mês com as novidades.
- E a gordinha é a Dona Dirce, a minha mãe.
- "E você, não vai ter alta tão cedo..."
SOBRE A MORTE E O MORRER
O que é vida? Mais
precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem
a define?
Já tive medo da morte. Hoje
não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana:
"Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é
tão boa! Não quero ir embora...
Eram 6h. Minha filha me
acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara:
"Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não
sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu
vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora
a saudade.
Cecília Meireles sentia algo
parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar
enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem
gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte
avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”
Da. Clara era uma velhinha
de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na
cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo
a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante.
"Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é
tão boa...”
Mas tenho muito medo do
morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos
enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer,
porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou
palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a
passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de
forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em
meio a visões de beleza.
Mas a medicina não entende.
Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram
terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se,
então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos,
para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse:
"O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".
Há dores que fazem sentido,
como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem
sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho
humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em
paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente
se dá o nome de ética.
Um outro velhinho querido,
92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente
um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da
guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos
automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o
velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes
de tocar de novo o acorde final.
Dir-me-ão que é dever dos
médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha
forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos.
Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o
supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a
vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater
num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos
monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?
Confesso que, na minha
experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas
de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente.
Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria.
Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se
transforma numa casca de cigarra vazia.
Muitos dos chamados
"recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de
vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque,
se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam
dizer: "Liberta-me".
Comovi-me com o drama do
jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo,
tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do
único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que
dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo.
Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe
dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas
leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.
Dizem as escrituras
sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para
morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A
"reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a
morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade
médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os
que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se
prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de
amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a
"Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos
braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.
Texto publicado no jornal
“Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.
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SOBRE A MORTE E O MORRER
terça-feira, 22 de maio de 2012
A arte da imperfeição
Imagem do Google
Não sei quanto a você, mas eu ando definitivamente
exausta de correr atrás da perfeição. No outro dia me peguei medindo as toalhas
de banho dobradas para que elas formassem impecáveis pilhas no meu armário. Uma
amiga me diz que arruma os vidros de tempero por ordem alfabética. Não é
incrível?Nosso índice de tolerância aos "defeitos de fabricação" do
universo anda mesmo muito baixo. E isso nos torna a espécie mais reclamona do universo,
provavelmente a única!
Ou será que bois e vacas interiormente também
reclamam do calor e daquelas moscas sempre em volta dos seus rabos... Passamos
um bocado de tempo tentando caber nas molduras que inventamos para nós mesmos.
Isso quando escapamos de tentar vestir à força as expectativas que os OUTROS
criaram para NÓS. Senão, me digam por que seres humanos razoáveis investiriam
tanto tempo, dinheiro e energia para tentar recuperar a imagem que tinham aos
18 anos?Perceber a beleza que se esconde nas frestas do mundo imperfeito é uma
Arte. Você conhece aquela história de que os tapetes persas sempre tem um
pequeno erro, um minúsculo defeito, apenas para lembrar a quem olha de que só
Deus é perfeito? Pois é, a Arte da Imperfeição começa quando a gente reconhece
e aceita nossa tola condição humana.
Para isso precisamos aprender a aceitar nossas falhas
com a mesma graça e humildade com que aceitamos nossas melhores qualidades.
E,importante:
estar disposto, sempre, a perdoar a nós mesmos. Não
precisamos ser perfeitos para ser um ser humano bem-sucedido. De fato, com mais
frequência do que imaginamos, o desejo de acertar sempre impede as coisas de
melhorarem e a necessidade de estar no controle aumenta a desordem e o caos.A
Arte da Imperfeição, no entanto, não se limita ao reconhecimento das
imperfeições humanas. Também tem a ver com nosso jeito de olhar para as coisas
mais banais, mais corriqueiras e enxergá-las com outros olhos.
Leonard Koren publicou alguns livros tentando revelar
para o nosso jeito ocidental as delicadezas do olhar wabi sabi. Wabi sabi é a
expressão que os japoneses inventaram para definir a beleza que mora nas coisas
imperfeitas e incompletas. O termo é quase que intraduzível. Na verdade, wabi
sabi é um jeito de "ver" as coisas através de uma ótica de
simplicidade,naturalidade e aceitação da realidade.Contam que o conceito surgiu
por volta do século 15. Um jovem chamado Sen no Rikyu (1522-1591) queria
aprender os complicados rituais da Cerimônia do Chá. E foi procurar o grande
mestre Takeno Joo. Para testar o rapaz, o mestre mandou que ele varresse o
jardim. Rikyu lançou-se ao trabalho feliz. Limpou o jardim até que não restasse
nem uma folhinha fora do lugar. Ao terminar, examinou cuidadosamente o que
tinha feito: o jardim perfeito, impecável, cada centímetro de areia
imaculadamente varrido, cada pedra no lugar, todas as plantas caprichadamente
ajeitadas. E então, antes de apresentar o resultado ao mestre Rikyu chacoalhou
o tronco de uma cerejeira e fez caírem algumas flores que se espalharam
displicentes pelo chão.
Mestre Joo, impressionado, admitiu o jovem no seu
mosteiro. Rikyu virou um grande Mestre do Chá e desde então é reverenciado como
aquele que entendeu a essência do conceito de wabi-sabi: a arte da
imperfeição.O que a historinha de Rikyu tem para nos ensinar é que estes
mestres japoneses, com sua sofisticadíssima cultura inspirada nos ensinamentos
do taoísmo e do zen budismo, conseguiram perceber que a ação humana sobre o
mundo deve ser tão delicada que não impeça a verdadeira natureza das coisas de
se revelar. E a natureza das coisas é percorrer seu ciclo de nascimento,
deslumbramento e morte; efêmeras e frágeis.Eles enxergaram a beleza e a
elegância que existe em tudo que é tocado pelo carinho do tempo. Um velho bule
de chá, musgo cobrindo as pedras do caminho, a toalha amarelada da avó, a
cadeira de madeira branqueada de chuva que espreguiça no jardim, uma única rosa
solta no vaso, a maçaneta da porta nublada das mãos que deixou entrar e
sair.Wabi sabi é olhar para o mundo com uma certa melancolia de quem sabe que a
vida é passageira e, por isso mesmo, bela.Para os olhos artistas de Leonard
Koren wabi sabi é inseparável da sabedoria budista que ensina:
Todas as coisas são impermanentes
Todas as coisas são imperfeitas
Todas as coisas são incompletas
Daí olhar para elas de um modo wabi sabi é ver:
A beleza que existe naquilo que tem as marcas do
tempo.
A beleza do que é humilde e simples.A beleza de tudo
que não é convencional. A beleza dos materiais que ainda guardam em si a natureza.A
beleza da mudança das estações.
A Arte da Imperfeição é ver a vida com a
tranquilidade de quem sabe que a busca da perfeição exaure nossas forças e
corrói nossas pequenas alegrias. Porque, como disse Thomas Moore, "a
perfeição pertence a um mundo imaginário". No nosso mundo de verdade, aqui
e agora.
Que tal abrir os olhos para o estilo wabi sabi?
* * *
Texto enviado por Denise Tiseu -
Contadora de Histórias.
* * *
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sábado, 19 de maio de 2012
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoraçao ou seu desprezo.
O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.
(Trecho de O Divã)
Martha Medeiros
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segunda-feira, 7 de maio de 2012
Feliz 5000 Acessos
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domingo, 6 de maio de 2012
Fragmento 04
Meu amor independe do que me fazes.
Não cresce do que me dás.
Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos.
Teria razões e explicações.
“Amor é estado de graça e com amor não se paga.”
Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que “amor com amor
se paga”.
O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais.
Nada te devo.
Nada me deves.
Como a rosa que floresce porque floresce,
eu te amo porque te amo.
Rubem Alves
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