sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Um Deus que se pode amar




Um amigo me enviou o texto abaixo com a pergunta: “Rubem, você sabe se isso é autêntico?” Sua pergunta revelava espanto e incredulidade. Será que o texto tinha saído mesmo da pena do filósofo judeu Baruch Spinoza (1632-1677), que polia lentes durante o dia para ganhar a vida e escrevia filosofia à noite iluminado pela luz de uma vela? Respondi: “O estilo, definitivamente, não é do filósofo. Quanto ao conteúdo sinto reverberações da sabedoria do Eclesiastes mais a mansidão de um ateísmo místico. Mas a autoria não importa. O que importa é a sabedoria. Vou até publicar o texto no Correio Popular…” Estou cumprindo a promessa.
“Para de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construístes e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Para de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho, não me encontrarás em nenhum livro? Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Para de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia. Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso de dar um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostastes, se te divertistes… Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Para de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sigas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Para de louvar-me! Que tipo de Deus narcísico tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido?… Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro… aí é que estou.”
Rubem Alves

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