terça-feira, 16 de agosto de 2011

Bola de fogo



Imgem do Google

Quem visita aquela bonita cidade mineira, orgulhosamente adormecida nos macios coxins do sertão, fica conhecendo em seus arredores uma tapera que pertencera a antiga família e que constituiu a célula inicial do importante centro comercial de hoje.


Os montões de madeirame apodrecido e os muros es-borcinados são o que resta dos sonhos do passado, pois o destino foi virando as folhas do seu livro e muita coisa mergulhando no esquecimento. A tapera dos velhos bandeirantes é tudo o que ficou das grandezas olvidadas, predendo-se à história ou à lenda, como por exemplo o sugestivo episódio da Bola de Fogo.

Uma linda jovem, de nobilíssimo tronco paulista, encanto da família fundadora, atingia o limite perigoso dos trinta janeiros sem se ter prendido a nenhum mestiço do movel arraial. Isso se dera porque os pais tinham decidido queela, sua herdeira universal, só se casaria com um branco de boa estirpe e brazão. As paredes da vetusta mansão senhorial guardavam, ciosos, os sonhos da donzela de sangue altivo. E o esperado cavalheiro branco chegou um dia, pelos meados do século XVIII, época em que se desenrola o episódio desta página.

Tratava-se de um fidalgo espanhol, aprumado, ma-cheiroso, bigodes retorcidos, trajando de acordo com a moda, e coma sua durindana pendente da cintura. Gostava de contar bravatas, relembrando duelos perigosos e amores difíceis. Era um bom copo, prezava a companhia das damas e dava a vida para não pensar em coisas sérias. Mas era branco e tinha um belo nome, ambição da distinta moça. Era quanto bastava.

Viram-se, entenderam-se e casaram.

Revista de aristocrática mansão engalanou-se para receber o cavalheiro espanhol, já então rico senhor de fazendas e de minas de ouro daquele vasto sertão e de muitas léguas de terras além de Guiacuí.

Conduziu-se a contendo, durante a lua de mel, o esposo branco da descendente de paulistas. Mas veio o tédio, a uniformidade dos dias, a quietude impertubável do lar. .. O estrangeiro era inquieto e perdulário; tendo grande fortuna à sua disposição meteu-se na companhia de estróinas e conhecidos do momento, sacrificando assim o nome ilustre a que se ligara.

A dor entrou no coração da esposa, pois via morrerem as suas últimas ilusões. A ventura entrevista esboroava-se diante da conduta do marido. Êle perdia as estribeiras. O arraial indignava-se com o seu procedimento, mas o mal era irremediável. O dinheiro era atirado a mancheias pelos balcões do vício, ou pelas ínfimas tascas, freqüentadas por escravos libertos.

Xo auge da sua infelicidade e para restringir os des-ndos do fidalgo, reuniu o resto de todo o ouro do casal, encheu um enorme tacho do engenho e resolveu atirá-lo fora, tal o ódio, insopitável que lhe despertara o vil metal, responsável pela sua desdita. Certa noite, com o auxílio de uma escrava, arrastou a sa carga até um rio próximo e precipitou-a do bar-rranco sobre as águas do profundo poço, famoso pelo remoinho.

Empobrecía, é verdade, mas destruía a causa do vício do marido e da sua prpria infelicidade. Nem assim o libertino pôs um paradeiro nos seus despautérios.

Foi muito comentado em toda a região o procedimento heróico daquela mulher. E muitos anos após, quando o gelo da morte a colheu para santa paz, os moradores do povoado viram muitas vezes, ao soar da meia-noite, uma bola de fogo a subir e a descer pelo rio, sem parar um só instante no mesmo lugar.

Essa bola de fogo marcava, no ponto em que surgia, o local preciso em que a decidida esposa precipitara o tacho de ouro, com o auxílio da escrava, que lhe jurara jamais recriar o seu segredo.
Conto folclórico. Fonte: Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Seleção de Anísio Mello. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

http://www.aletria.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...